terça-feira, 15 de outubro de 2024

Na memória de Agustina


"Todos os meus livros são, afinal, só isso, a oportunidade de milhões de almas, únicas, todas elas, almas de sapinhos cheios de importância de viver. [...] Uns partem um pouco depois de dizerem bom dia, outros ficam até morrer. Todos se continuam naquilo que têm de profundamente entre si - a vocação para serem sós, porém aceites por cada uns dos outros. Porque a solidão que me acusam de impor aos meus personagens, como uma grilheta, é apenas a sua individualidade biológica, a exclusividade, a reivindicação superior da sua própria luta. Um homem jamais corresponde a outro homem; as suas reações e conclusões não equivalem a vivência de outra alma, a experiência do outro eu. O mistério do eu cumpre-se em cada homem de forma única." (1)

Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de Verão que declina, e temos 11 anos e sabemos que o dia seguinte é fundamental para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento pela vida fora está predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentário, mas que tem o seu reino no coração das pessoas.” (2)

"O mais veemente dos vencedores e o mendigo que se apoia num raio de sol para viver um dia mais, equivalem-se, não como valores de aptidões ou de razão, não talvez como sentido metafísico ou direito abstracto, mas pelo que em si é a atormentada continuidade do homem, o que, sem impulso, fica sob o coração, quase esperança sem nome." (3) 

“Não são os crentes que se salvam; são os que esperam em plano de igualdade com o que é eterno - a vida humana e a realidade dos seus direitos. Devo acrescentar aqui alguma coisa que sempre me pesou: acima dos amigos eu tive o pensamento; além da gratidão, eu pus o amor forte e generoso pela vida." (4)

Agustina Bessa-Luís:

(1) in Revista Lusíada. Porto, Outubro, 1955; (2) As Pessoas Felizes; (3) Sibila; (4) O chapéu de fitas a voar.

Filosofia para crianças - o que podemos pensar?


A palavra ainda parece criar dificuldades e, no entanto, ela refere-se a algo que já foi inventado há muitos séculos na antiga civilização grega. Vivemos num mundo habitado por pessoas, por coisas, ideias, sentimentos e quando cá chegamos, nós e todos os que são mais jovens defrontam-se com uma questão essencial. Como tudo começou e se tem uma duração limitada tem em si um valor muito valioso. Assim, como olhar para o que nos rodeia e pensar sobre aquilo que nos importa, que queremos conhecer.

Oficina de Filosofia é apenas uma forma não de encontrar respostas, mas de fazer perguntas, de modo a estimular a capacidade de pensar e de fazer refletir sobre coisas simples, mas que afetam a vida de todos. O que é uma pergunta, que características tem e as palavras o que nos podem dizer, o que podemos fazer com elas. Por que gostamos de histórias e porque elas ensinam a imaginar a tantas coisas?

Que coisas conseguimos explicar? O que lemos e o que sentimos pode ser expresso em palavras, ou os desenhos também nos podem explicar? E se não percebemos algo, como o explicamos a outros? Em que momentos usamos a imaginação? O preço e o valor das coisas são a mesma coisa ou existem diferenças? E conseguimos encontrá-las em momentos da nossa vida.

É um pouco isto e o ponto de partida foi um livro de Valter Hugo Mãe, As mais belas coisas do mundo. Descobri-las e pensar nelas como algo onde cada uma toca no seu quotidiano e pensar com os mais pequenos em perguntas como, pode-se amar ou gostar do que não se conhece? como conhecer as coisas que o mundo e os outros nos mostram? ou pode um abraço ser um espaço para se habitar, se viver, como uma casa?

Sobretudo fazer perguntas e pensar a partir de situações diversas para incentivar o antigo desejo da Filosofia grega, de analisar o que fazemos, pensamos e sentimos e como avaliamos o que fazemos. O vocabulário e a linguagem é um dos meios para formular essas perguntas e alargar o que conhece. A Filosofia vive do deslumbramento pelas coisas, as crianças da curiosidade e os seus porquês são um bom caminho para pensar, em círculo, como se cada um estivesse a procurar conhecer um mistério ou algo que não se conhece ainda.

As perguntas - a filosofia para crianças

 

As perguntas que valor têm? Saber fazer perguntas é uma forma de compreender de um outro modo? Ao fazer uma pergunta o que se procura saber ou compreender? As palavras são importantes, umas mais que outras? Que palavras usamos para pensar as perguntas que queremos fazer? Serão as perguntas instrumentos da curiosidade e da construção da imaginação?

A partir da obra de Valter Hugo Mãe, "As mais belas coisas do mundo" pensámos em perguntas e em formas de encontrar ideias sobre o que nos rodeia. Mais tarde publicaremos algumas das ideias ilustradas. 

Algumas das perguntas feitas pelas crianças (ABL4)  e que pensámos em conjunto:

Porque existem coisas belas no mundo?

Quais são as coisas mais belas do mundo?

Como podem as pedras ter sede se elas não têm vida?

Porque pode o pensamento ser tão importante?

Porque é que a imaginação existe?

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

O escritor do mês de Outubro - Valter Hugo Mãe I (os livros)

 “Percebi que para dentro de nós há um longo caminho e muita distância. Não somos nada feitos do mais imediato que se vê à superfície. Somos feitos daquilo que chega à alma e a alma tem um tamanho diferente do corpo. Percebi que ver verdadeiramente uma pessoa obriga a um esforço como o de estarmos sentados nos nossos bancos a tomar conta do que passa pelos montes.”

 Mãe, V. H. (2017). “O Rosto”, in Contos de cães e maus lobos. Porto: Porto Editora.

 

Prémio Nobel da Literatura 2024

Será que é por existir dentro de nós uma qualquer brancura imaculada e inviolada que, quando nos deparamos com objetos tão límpidos, ficamos sempre comovidos? O percurso dela pelas ruas geladas condu-la ao prédio, onde o seu olhar se ergue para o primeiro andar. Para a frágil cortina de renda lá pendurada. 
Há alturas em que o branco áspero da roupa de cama acabada de levar quase parece falar. É quando o tecido de algodão puro roça na sua pele desnudada, nesse preciso momento, que parece estar a dizer-lhe qualquer coisa. És uma pessoa notável. O teu sono é puro, e não tens de ter vergonha de estar viva. É esse o estranho conforto que ela sente, nesse intervalo em que o sono aflora junto à vigília e o lençol áspero de algodão lhe toca na pele. “
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“Porque será que os minerais que brilham, como a prata, o ouro ou os diamantes, levam as pessoas a considerá-los nobres? Há uma teoria que justifica este facto e que defende que, para os primeiros homens, o brilho da água era um sinal de vida. Água que brilhasse era pura. Só a água que se pode beber – que dá vida – é transparente. Depois de caminharem por desertos, florestas e pântanos fétidos, sempre que um grupo conseguia avistar ao longe uma corrente de água com um brilho esbranquiçado, devia sentir-se dilacerado por tanta felicidade. Que significaria vida. Que significaria beleza.”
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“Com os teus olhos, verei o ponto mais profundo e mais assombroso de uma couve branca, as jovens e preciosas pétalas escondidas no seu coração.
Com os teus olhos, verei o frio da meia-lua que se ergue durante o dia.
A certa altura, esses olhos verão um glaciar. Olharão para aquela enorme massa de gelo e verão algo de sagrado, ainda não conspurcado pela vida.
Verão o silêncio da floresta de bétulas brancas. Verão a quietude da janela por onde entra o sol de inverno. Verão aquelas partículas brilhantes de pó agitando-se nos feixes de luz que se prolongam obliquamente até ao teto.
Dentro desse branco, de todas essas coisas brancas, sorverei o último sopro de ar que exalaste.”
Kang, Han. (2019). , "Cortina de renda"; "Cintilância"; "Toda a brancura", in O livro Branco. Lisboa: D. Quixote.
Prémio Nobel da Literatura 2024.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

O escritor do mês


A escrita tem em si um mistério que nos faz admirar esse esforça de cativar a página em branco para algo. Por que escrevem pessoas as palavras para nós que ao lê-las nos tornamos os leitores, confidentes desses espaços de escrita que são memórias e imaginação de vidas que estão ao nosso lado, mesmo que muitas vezes em tempos diversos. A escrita é sobre livros, redutos de palavras e emoções de alguém que se afastou momentaneamente do mundo para depois o convocar para as suas expressões e ideias. 

Na verdade temos uma grande dívida para quem escreve. Pois nas suas palavras cabem dimensões que torna o mundo melhor, mais compreensível nos seus aspetos de incerteza e dúvida. Nas palavras moram o reconhecimento de muitos mundos dando ao leitor a possibilidade de este se descobrir em possibilidades que são suas.

 Nas palavras dos escritores mora a nossa atenção, onde se juntam atenção, ideias e sonhos. Nas palavras da escrita podemos ser gigantes e sempre com uma nova possibilidade ali ao lado, num outro livro. No fundo as palavras escritas formam essa conjugação única de autores e escritores a descobrirem-se, a revelarem-se em si próprios.

O escritor do mês é uma ideia para divulgar palavras de escritores que nos podem espantar, fazer pensar ou iluminar aquilo que podemos ser. Uma luz pequena na noite escura não ilumina nada, mas diz-nos que existe escuridão. A literatura e a escrita são essa luz a mostrar a escuridão que envolve o real e os passos para fazer um caminho.

Dia mundial da alimentação I




 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Livros do mês...

 


Iniciamos esta semana o destaque dos livros que quinzenalmente destacaremos de formas diversas. A leitura, a sua promoção e a transformação que realizamos nas páginas das palavras são uma das mais importantes funções que uma biblioteca deve promover. Semanalmente destacaremos um livro que pela sua importância, pelos caminhos que abre aos leitores nos permitem fazer deles companheiros de uma viagem que é a do nosso quotidiano.

Os livros escolhidos obedecem à ideia de divulgação de algo que nos pode fazer enriquecer o que somos, o que vivemos. Livros que connosco realizem essa viagem e que nos permita chegar ao plano elevado que que António Lobo Antunes exprimiu de forma sábia, "ilhas eternas de fraternidade". Embora tendo nós na ideia, um conjunto de opções a destacar estamos disponíveis para alterar o que for relevante para o próprio currículo escolar.

 Os livros em destaque serão alvo de uma pequena apresentação no blogue. Estarão em suporte físico num espaço da biblioteca, e integrarão alguns dos espaços da difusão da informação da Biblioteca. Justamente a Newsletter que apresentaremos para os professores integrará alguns destes destaques. 

A Biblioteca organizará visualmente (em construção) desses destaques, assim como outro tipo de temáticas.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Biblioteca imaginária - leituras partilhadas




“Todos os livros são infinitos. Começam no texto e estendem-se pela imaginação. Por isso é que os textos são mais do que gigantescos, são absurdos de um tamanho que nem dá para calcular. Mesmo os contos, de pequenos não têm nada. Se soubermos entender, crescemos também, até nos tornarmos monumentais pessoas. Edifícios humanos de profundo esplendor.” (Valter Hugo Mãe, Contos de cães e maus lobos)

Lemos as palavras, lemos o mundo, as emoções dos outros, lemos os lugares onde vivemos, lemos o que nos rodeia. Nos livros encontramos outros mundos, outras formas de ser, de pensar, reconhecemos os outros e tentamos conhecer melhor o mundo onde estamos. Na leitura e com os livros desenvolvemos a imaginação, criamos mundos próprios, podemos inventar o que ainda não existe. As palavras fazem a biografia do mundo, dos que cá estiveram antes de nós e os que ainda virão. Com elas lemos a identidade dos espaços onde vivemos e conhecemos a experiência de cada pessoa, os seus sonhos e os seus desejos. Todos somos uma biblioteca imaginária. Lemos as palavras, lemos com os olhos, com as cores, com o rosto. Lemos entre o sonho e a perda, o doce e o amargo. Lemos no desafio às vezes difícil do que procuramos compreender.

No âmbito das atividades da biblioteca e do Projeto Escola a Ler desafiamos alunos, professores e outros elementos da comunidade educativa a partilharem as suas experiências de leitura. No blogue existirá uma etiqueta e uma página que reunirá todas as propostas, no sentido de que cada uma ou algumas possam motivar outros para a leitura e para a curiosidade de encontrar outros livros e diferentes autores.

A partilha poderá ser feita enviando o texto com a identificação do livro e o autor do texto (no caso dos alunos: alunos / turma) para o e-mail da biblioteca (biblioteca-aedcpf@agrupajunqueira.pt) ou diretamente numa página aberta (acesso aqui). Também é possível no envio do e-mail partilhar um ficheiro áudio com essa apresentação/comentário a uma experiência de leitura.

Ao lado o marcador que irá ser partilhado e o QR Code de acesso e com a apresentação mais completa desta ideia, de partilhar ideias formalizando o que numa comunidade pode formar uma biblioteca imaginária.

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Receção aos quintos anos


As turmas de quinto ano foram recebidas durante a segunda semana de aulas na biblioteca e realizaram um conjunto de atividades em torno da utilização da biblioteca e das diferentes áreas que a mesma tem para oferecer. Foi lido um conto de Valter Hugo Mãe "modo de amar" e foi possível conversar com os alunos sobre o papel dos livros e das bibliotecas. A imaginação e o modo como a podemos alimentar foi uma dos pontos conversados com os alunos das diferentes turmas.

Cada aluno apresentou uma leitura realizada no passado e conversámos sobre o que ela tinha de marcante, o seu papel na memória de quem a leu. Foram apresentadas as palavras e o seu valor e cada aluno escolheu uma palavra mágica e pensámos sobre o valor que essas palavras desempenham em cada um. Foi interessante verificar que foram destacadas palavras tão importantes como:

- família; - amor; - mãe; - imaginação, - criatividades; - amigos;

Falámos sobre o valor da pergunta e o que ela nos permite construir. Finalmente cada aluno completou num placard duas frases, uma biblioteca é ...., ler é... (deixamos alguns registos dessas expressões)