"A Rainha nunca
se interessara muito pela leitura. Lia, é claro, como toda a gente, mas gostar
de livros era algo que deixava aos outros. Era um passatempo e fazia parte da
natureza do seu cargo não ter passatempos. A sua função era mostrar interesse
por, não deixar que ela própria se interessasse. Além disso, ler não era fazer.
Ela era alguém que faz. (...)
Passados algumas
semanas a Rainha sentiu-se perturbada e a pensar porque é que, neste momento
particular da sua vida, sentira subitamente atração pelos livros. Donde surgira
esse interesse?
Sim, poucas pessoas
tinham visto mais mundo do que ela. Estando ela própria na tribuna do mundo,
porque se entusiasmava agora com livros que, por muito que pudessem ser, não
passavam de um reflexo ou versão do mundo? Livros? Ela vira a realidade. (...)
O apelo da leitura,
pensou, vinha da sua indiferença: havia na literatura algo de nobre. Os livros
não se importavam com quem os lia, nem se os líamos ou não. Todos os leitores
eram iguais, incluindo ela própria. Porém, dúvidas e interrogações eram só o princípio.
Uma vez no ritmo normal, deixou de lhe parecer estranho o facto de querer ler,
e os livros, aos quais se afeiçoara tão cautelosamente, passaram pouco a pouco
a ser o seu elemento. (...)
No seu encontro com
Sir Kevin, ele adiantou:
- Se conseguíssemos
aproveitar a vossa leitura para um objetivo maior: por exemplo, a melhoria dos
critérios de leitura entre os jovens...
- Lemos por prazer -
disse a Rainha.
A leitura fez-lhe
pensar na escrita, nos que escreviam. E descobriu que depois de escrever alguma
coisa, mesmo que fosse só uma nota no caderno, ficava feliz como dantes, depois
de ter estado a ler. E ocorreu-lhe que ler era ser um espetador. Escrever era
agir, o que ela devia fazer."
Bennett, A.
(2009). A Leitora Real. Lisboa: Asa.
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