sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Livros do mês - Outubro III


 "Era linda a água vista do sol!
Depois, pela vida fora, a água da fonte eram vocês...
Água pela qual seria capaz de partir todos os copos de cristal." (Matilde Rosa Araújo)

Era uma vez uma menina com cabelos loiros caídos até aos ombros. Dos seus olhos claros - diz quem alguma vez os fixou - transbordava um mar de interminável ternura. Olhava para tudo como se fosse sempre a primeira vez. E a sua voz era uma das mais meigas e suaves que alguma vez se escutou. Eu, que a ouvi muitas vezes, digo-vos que Matilde nunca deixava de falar com a alma e o coração.

Vivia numa quinta grande dos avós. Nessa quinta existia um grande jardim de rosas vermelhas e violetas rasteiras. A porta da entrada era decorada por uma frondosa trepadeira de flores que ora pareciam azuis ora roxas. Matilde chamava-lhe Buga. Nas noites quentes, quando o cheiro da trepadeira inundava o jardim, Matilde e a amiga tinham longas conversas. Era um segredo só das duas. Matilde, gostava tanto dela, que quando o seu gato dourado morreu, quis que ele ficasse sepultado junto às suas raízes. (...)

O Jardim tinha ainda espaço para algumas árvores de frutos: laranjeiras, macieiras, cerejeiras e oliveiras com folhas cor de prata. Matilde gostava especialmente de uma das laranjeiras. Devido ao amor que lhe tinha, ficou com a alcunha de Laranjinha. Essa árvore tinha um tronco forte onde, bem no meio, havia uma covinha que parecia um banco. Matilde sentava-se aí a ler poemas em voz alat para a laranjeira, para os pássaros e para as formigas que ali passavam em carreirinho. Ela gostava de ouvir o som das palavras, para as saborear com todos os sentidos. Procurava a música própria de cada uma e a seguir desenhava-as cuidadosamente, letra por letra. No fim, surgiam palavras de todos os tamanhos, cores e feitios. Um jardim encantado de palavras.

Carvalho, Adélia. (2010). Matilde, um olhar de menina. Lisboa: Tcharan.

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