sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Prémio Nobel da Literatura 2024

Será que é por existir dentro de nós uma qualquer brancura imaculada e inviolada que, quando nos deparamos com objetos tão límpidos, ficamos sempre comovidos? O percurso dela pelas ruas geladas condu-la ao prédio, onde o seu olhar se ergue para o primeiro andar. Para a frágil cortina de renda lá pendurada. 
Há alturas em que o branco áspero da roupa de cama acabada de levar quase parece falar. É quando o tecido de algodão puro roça na sua pele desnudada, nesse preciso momento, que parece estar a dizer-lhe qualquer coisa. És uma pessoa notável. O teu sono é puro, e não tens de ter vergonha de estar viva. É esse o estranho conforto que ela sente, nesse intervalo em que o sono aflora junto à vigília e o lençol áspero de algodão lhe toca na pele. “
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“Porque será que os minerais que brilham, como a prata, o ouro ou os diamantes, levam as pessoas a considerá-los nobres? Há uma teoria que justifica este facto e que defende que, para os primeiros homens, o brilho da água era um sinal de vida. Água que brilhasse era pura. Só a água que se pode beber – que dá vida – é transparente. Depois de caminharem por desertos, florestas e pântanos fétidos, sempre que um grupo conseguia avistar ao longe uma corrente de água com um brilho esbranquiçado, devia sentir-se dilacerado por tanta felicidade. Que significaria vida. Que significaria beleza.”
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“Com os teus olhos, verei o ponto mais profundo e mais assombroso de uma couve branca, as jovens e preciosas pétalas escondidas no seu coração.
Com os teus olhos, verei o frio da meia-lua que se ergue durante o dia.
A certa altura, esses olhos verão um glaciar. Olharão para aquela enorme massa de gelo e verão algo de sagrado, ainda não conspurcado pela vida.
Verão o silêncio da floresta de bétulas brancas. Verão a quietude da janela por onde entra o sol de inverno. Verão aquelas partículas brilhantes de pó agitando-se nos feixes de luz que se prolongam obliquamente até ao teto.
Dentro desse branco, de todas essas coisas brancas, sorverei o último sopro de ar que exalaste.”
Kang, Han. (2019). , "Cortina de renda"; "Cintilância"; "Toda a brancura", in O livro Branco. Lisboa: D. Quixote.
Prémio Nobel da Literatura 2024.

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