quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Um poema...


"Em todos os jardins hei-de florir,

Em todos beberei a lua cheia.
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a sereia,
A tudo quanto existe me hei-de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há-de abrir.

Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como um beijo.

Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens."

Sophia, “Em todos os jardins”, in Obra Poética. Lisboa: Assírio & Alvim, 2015.
Imagem: Copyright – m.ban.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O livro e a leitura I

Celebrar os momentos íntimos da leitura!

“Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória.”

Borges, Jorge Luís. Ensaio. São Paulo: Companhia das Letras. 
Imagem: Copyright - Teodor Axentowicz, "Absorvida na leitura", Polónia (2ª metade do século XIX e primeiros anos do século XX).

A Criatividade e o seu papel na aprendizagem

Ken Robinson foi uma figura inspiradora para a mudança significativa que a educação necessita, enquanto sistema formativo em si, mas também como elemento de possível felicidade para as pessoas e de transformação com significado com a sociedade. As suas apresentações em diversas plataformas evidenciaram um conjunto de mudanças que precisamos pensar. Algumas das suas palavras e um dos vídeos sobre uma das suas estimulantes ideias.

"Estamos a educar crianças e jovens desprovidas de criatividade. Que ferramentas usarão no futuro? É essencial repensar os princípios sobre os quais assentam os sistemas educativos!

Sou de opinião que a criatividade é hoje tão importante na educação quanto a alfabetização e que deveríamos tratá-la com a mesma importância. As crianças assumem riscos e perante o que lhes é colocado respondem. Elas não têm medo de errar. O que sabemos é que, quem não está preparado para errar, nunca poderá ter uma ideia original. E quando se tornam adultas, a maioria já perdeu essa capacidade. E adquirem o medo, pavor de errar.

A sociedade, as empresas estigmatizam os erros. No momento vivemos em sistemas educativos nacionais em que os erros são a pior coisa que se pode fazer. E o resultado é que estamos produzindo indivíduos desprovidos de criatividade. E acredito que se não crescemos com ou rumo à criatividade, vamos para longe dela. Ou melhor somos ensinados a abandoná-la. (...)

Temos de repensar os princípios fundamentais nos quais baseamos a educação. Há que celebrar o dom da imaginação humana. Temos de ter cuidado para usar esse dom com sabedoria, e assim ultrapassar o estado em que estamos. E a única forma de fazermos isso é encarar as nossas capacidades criativas como a riqueza que representam e, encarar as nossas crianças e jovens como a esperança que representam. E a nossa tarefa é educá-las em todo o seu ser, para que elas possam enfrentar esse futuro. E o nosso trabalho é ajudá-las a tirar algo de bom dele." (Ken Robinson)

Uma das suas apresentações no TED (Ideas change everything) -  Bring on the learning revolution)

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Na memória de Sophia

Na memória de Sophia de Mello Breyner Andresen:

(Porto, 06.11.1919)

Nos tempos de utilidade em que vivemos a dimensão poética tornou-se algo quase despercebido, pouco considerado. E, no entanto, estamos muito carentes de encontrar na beleza o suporte para representar pela arte no seu sentido geral, a nossa dimensão poética. Sophia que nasceu num seis de novembro falou-nos muito disso, dos valores espirituais, como suporte a uma cultura de alma.

Ver com essa graça é um dos testemunhos da sua obra poética e para crianças. E nesse sentido todos, ou talvez alguns poderíamos procurar olhar aquilo que ela chamou "o tempo inteiro", a visão poética do mundo e uma forma de o viver. A poesia como uma forma específica e substantiva concreta de existir, foi um dos seus caminhos na vida, como se a forma de olhar o mundo pudesse ser uma forma de existência desse tempo inteiro.

Um baloiço rente ao chão e ao mar, como um espaço de tempo, onde a liberdade se povoa de um pensamento feito do que existe. Com Sophia há tudo ainda para aprender, nesse programa de uma palavra para nomear o mundo, ou como ela o disse, "a beleza que o homem tem o dever de criar". Podia ser um sinal para outas possibilidades, outro tempo para essas cidades acima do caos e das suas sombras.

"Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas. Mas há também uma outra beleza que o homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham. A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria. Diz S. Tomás de Aquino que a beleza é o esplendor da verdade. Pela qualidade e grau de beleza da obra que construímos se saberá se sim ou não vivemos com verdade e dignidade. A obra do homem é sempre um espelho onde a consciência se reconhece."

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Entrevista Jornal Távola Redonda, Janeiro de 1963.

Imagem, Sophia de Melo Breyner Andresen - desenho de Arpad Szènes.

A grande fábrica de palavras - II

As palavras apresentam-se como recursos de comunicação para nos ligarmos ao mundo, expressarmos os nomes das coisas e escrevermos o nosso sentido, a nossa visão do mundo. Serão elas a nossa única forma de nos expressarmos? A emoção e o que pensamos pode ser expresso de um outro modo? E serão esses outros modos possíveis de nos fazer entender no que queremos expressar? E as palavras, quais são as que mais importam a cada um e a quem as oferecer?

Foi sobre isto que falámos com as crianças do 2.º ano. Elas pensaram em duas palavras, em alguém a quem as oferecer e apresentaram essa escolha. Deixamos em baixo algumas dessas palavras.


 
 

 

Atividade realizada a partir da leitura da obra, A grande fábrica de palavras  de Agnés de Lestrade.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Leituras na Biblioteca - a grande fábrica de palavras - I

 

"Existe um país onde as pessoas quase não falam. É o país da grande fábrica de palavras. Neste estranho país é preciso comprar e engolir as palavras para pronunciá-las. A grande fábrica de palavras trabalha de dia e de noite. As palavras que saem das suas máquinas são tão variadas quanto as linguagens. Há palavras que são mais caras que outras e que raramente são ditas; a não ser que sejamos muito ricos! No país da grande fábrica, falar sai caro!"

As palavras e a linguagem são um património pessoal de cada um para reconhecer o mundo e identificar as coisas, os seus nomes e estabelecer uma relação com os outros. Nós somos as palavras que temos e o mundo de que somos feitos é desenhado pelo nosso vocabulário. Lemos e escrevemos usando esse recurso com o qual nos relacionamos com o mundo.

A grande fábrica de palavras foi uma das histórias lidas a crianças do 2.º ano para em conjunto percebermos de onde vem as palavras, que valor elas têm quando usadas, como as utilizamos para exprimir emoções. Existe um país em que as pessoas não falam, é o país da grande fábrica de palavras. E nesse país as palavras que se usam têm de ser compradas. Como as utilizam quem tem menos recursos para as comprar? Como comunicam com os outros? E, afinal quais são as palavras mais importantes, as que guardamos com especial cuidado?

Primeira descoberta a realizar. Sendo tão importantes, onde estão as palavras, como acedemos a elas? E o que nos dão elas? Exprimir o que sentimos, o que queremos dizer. As palavras moram em nós. Ler é assim uma das formas de imaginar novas possibilidades para tudo o que imaginamos.

Segunda descoberta. Que palavras podemos oferecer aos outros? Que palavras pensamos quando imaginamos algo para oferecer a alguém especial, alguém que nos toca? Que palavras imaginaram as crianças oferecer? E essas palavras foram escolhidas porque se relacionam com algo importante na vida de cada um... 

Terceira descoberta. As nossas palavras são assim pois formas de construção do nosso mundo e de nos construirmos nele. As nossas palavras apresentam-se como os nossos próprios limites, das nossas possibilidades nessa construção. Alargar o seu conhecimento e o seu uso é uma forma de dar mais amplitude ao que podemos ser.

 Lestrade, Agnés de. (2023). A grande fábrica de palavras. Lisboa: Paleta de Cores.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Miúdos a votos - II

 


“Miúdos a votos” é uma iniciativa que procura promover a ideia de uma participação cívica pela apresentação e defesa das ideias que um determinado livro nos pode suscitar.

      Na primeira fase os alunos que queiram participar devem indicar (até 10 de novembro) neste  formulário o título de um livro, o autor desse livro, o nome completo da escola e o ano de escolaridade. Deve ser indicado o título do livro e não o nome de uma coleção.

    A partir das escolhas dos alunos haverá a constituição de uma lista a nível nacional que será revelada no dia 6 de dezembro.

    Após este conhecimento propõe-se que os alunos realizem uma campanha eleitoral sobre um determinado livro e que durará de 20 de Janeiro a dez de março de 2025.  A votação final a realizar na escola realizar-se-á a 12 de março e o resultado final deve ser divulgado com a realização de uma atividade entre 12 de março e 30 de abril. Os resultados finais a nível nacional serão divulgados a 16 de maio de 2025.

    Um dos aspetos mais interessantes desta atividade é a realização de uma campanha eleitoral de argumentação sobre o valor de um livro. Podem ser usadas diferentes formas como:

   - criação de materiais, como cartazes ou folhetos;

   - vídeos ou podcasts com a imagem do livro e um áudio com a apresentação das principais ideias;

   - divulgação nos meios digitais (blogue da biblioteca).

  Haverá um prémio para as melhores campanhas devendo os materiais dever ser enviados para a biblioteca entre 20 de janeiro e vinte de março. Deixa-se em anexo o regulamento para essa candidatura.

   Neste momento e até ao final da próxima semana os alunos interessados devem indicar o título de um livro, o autor desse livro, o nome completo da escola e o ano de escolaridade neste link que se disponibiliza.

 Alguma dúvida para o preenchimento online pode ser feita na biblioteca.

Leituras na Biblioteca - Matilde, um olhar de menina...

Era uma vez uma menina que gostava muito da natureza, em especial das árvores, dos animais e sentia-se muito feliz. 

Todos os dias ela ia brincar ao ar livre. 

As suas estações do ano preferidas eram o verão e a primavera, pois podia ir mais vezes para a natureza.

No verão ela gostava muito de ir nadar no mar da praia. E na Primavera gostava de ouvir os pássaros a cantar as suas melodias.

Ela era uma menina saudável porque comia muitos frutos. A sua árvore preferida era a laranja.

Ela sentia-se muito feliz na natureza.

Algumas das ideias visuais construídas pelos alunos (ABL3), a partir de uma biografia sobre Matilde Rosa Araújo. Na atividade as crianças conseguiram de diferente modo associar os planos da narrativa, a quinta, a natureza, os animais, a praia às suas construções visuais. Na escolha das palavras-chave identificaram aquilo que marcou a vida e a biografia de Matilde Rosa Araújo. atividade realizada a partir da leitura orientada do livro de Adélia de Carvalho, Matilde, um olhar de menina.


 




segunda-feira, 28 de outubro de 2024

Mês Internacional das bibliotecas Escolares

"A Biblioteca terá que ser o centro da sociedade. O homem é um animal leitor, leitor do mundo. Procuramos as constelações da narração: quem são os outros e onde estamos. Desenvolvemos o poder da imaginação. Somos capazes de criar o mundo, antes mesmo da criação do mundo.

As bibliotecas são a memória privada e a memória pública. A biblioteca é autobiografia de cada um. É o rosto de cada um de nós. As bibliotecas são também a biografia da sociedade, a sua identidade. As bibliotecas públicas são o rosto da comunidade.

Nós somos o que a biblioteca nos recorda o que somos. Um livro conta a experiência de cada um, onde estão as paixões mais secretas e os desejos mais íntimos. "Clínica da alma" é a sua melhor definição. A centralidade da atividade inteletual está na clínica da alma!"...

 Alberto Manguel, "Reading and Libraries", 11º Congresso da BAD

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Livros do mês - Outubro III


 "Era linda a água vista do sol!
Depois, pela vida fora, a água da fonte eram vocês...
Água pela qual seria capaz de partir todos os copos de cristal." (Matilde Rosa Araújo)

Era uma vez uma menina com cabelos loiros caídos até aos ombros. Dos seus olhos claros - diz quem alguma vez os fixou - transbordava um mar de interminável ternura. Olhava para tudo como se fosse sempre a primeira vez. E a sua voz era uma das mais meigas e suaves que alguma vez se escutou. Eu, que a ouvi muitas vezes, digo-vos que Matilde nunca deixava de falar com a alma e o coração.

Vivia numa quinta grande dos avós. Nessa quinta existia um grande jardim de rosas vermelhas e violetas rasteiras. A porta da entrada era decorada por uma frondosa trepadeira de flores que ora pareciam azuis ora roxas. Matilde chamava-lhe Buga. Nas noites quentes, quando o cheiro da trepadeira inundava o jardim, Matilde e a amiga tinham longas conversas. Era um segredo só das duas. Matilde, gostava tanto dela, que quando o seu gato dourado morreu, quis que ele ficasse sepultado junto às suas raízes. (...)

O Jardim tinha ainda espaço para algumas árvores de frutos: laranjeiras, macieiras, cerejeiras e oliveiras com folhas cor de prata. Matilde gostava especialmente de uma das laranjeiras. Devido ao amor que lhe tinha, ficou com a alcunha de Laranjinha. Essa árvore tinha um tronco forte onde, bem no meio, havia uma covinha que parecia um banco. Matilde sentava-se aí a ler poemas em voz alat para a laranjeira, para os pássaros e para as formigas que ali passavam em carreirinho. Ela gostava de ouvir o som das palavras, para as saborear com todos os sentidos. Procurava a música própria de cada uma e a seguir desenhava-as cuidadosamente, letra por letra. No fim, surgiam palavras de todos os tamanhos, cores e feitios. Um jardim encantado de palavras.

Carvalho, Adélia. (2010). Matilde, um olhar de menina. Lisboa: Tcharan.

As mais belas coisas do mundo I

   "(...)Nesse tempo, meu avô perguntou quais seriam as mais belas coisas do mundo. Eu não soube o que dizer:
  Pensei que poderiam ser os filhotes de cão, alguns gatos, o fim do sol, o verão inteiro, o comportamento dos cristais, a muita chuva, a cara das mulheres, o circo, os lobos, as casas com chaminé, o cimo da montanha, a nuvem que vimos igualzinha a um avião, o quadro pintado pendurado na sala, perfeitinho, mesmo que as árvores inclinassem um bocado tortas.
    Pensei que as mais belas coisas do mundo haveriam de ser as amarelas e as vermelhas.
    Ele sorriu e quis saber se não haviam de ser a amizade, o amor, a honestidade e a generosidade. o ser-se fiel, educado, o ter-se respeito por cada pessoa. Ponderou se o mais belo do mundo não seria fazer-se o que se sabe e pode para que a vida de todos seja melhor.
    Convenci-me de que as mais belas coisas do mundo se punham enquanto profundo e urgentes mistérios. (...)
   A beleza, compreendi, é substancialmente um atributo do pensamento, aquilo que inteligentemente aprendemos a pensar. A força do pensamento haverá de criar coisas incríveis, científicas, intuitivas, maravilhosas, profundas, necessárias, movedoras, salvadoras, deslumbrantes ou amigas. Pensar é como fazer. Quem só faz e não pensa só faz uma parte. Para a beleza é preciso acreditar."

A Filosofia para crianças não procura respostas, mas sim a possibilidade de realizar perguntas, pensar para compreender de um outro modo. A partir da leitura de alguns excertos do livro de Valter Hugo Mãe, um grupo de crianças do 4.ºa no - ABL pensou em grupo no que poderiam ser essas mais belas coisas do mundo.

 Surgiram várias perguntas:

1. Por que existe a imaginação?

2. Quais são as mais belas coisas do mundo?

3. Como as pedras podem ter sede se não estão vivas?

Das diversas questões colocadas as crianças escolheram três e com essas foram colocadas mais dúvidas e questões para se encontrar alguns pontos de concordância sobre o valor das mais belas coisas do mundo.

 A palavra não é a única linguagem possível de utilizar. Podemos pensar também com as imagens ou traduzir nelas ideias. Podem as ideias ser desenhadas? Desenhar os elementos da história lida e pensada e encontrar na imagem desenhada uma ideia capaz de nos fazer pensar sobre as mais belas coisas do mundo. Alguns exemplos: (ABL -4).