Fundou várias revistas literárias e
publicou, desde 1928, uma extensa obra, podendo-se destacar Os Bichos, Novos
Contos da Montanha e os Diários. Recebeu diferentes prémios entre
1969 e 1981 (Diário de Notícias, Poesia de Bruxelas, Prémio Montaigne). A sua
escrita apresenta o encanto silvestre e a originalidade humana desse reino
único, muito especial, a que ele deu o nome de maravilhoso. A sua obra e a sua
figura são a morada desse tempo quase eterno onde a montanha faz nascer a
liberdade e a beleza. É um autor que nos recorda o valor da paisagem e de como
ela é uma construção humana.
Torga é
um exemplo da importância de um território e de uma memória como suportes de
uma cidadania formalizada nos valores culturais de uma comunidade. As palavras
de Torga são um combate pela liberdade, naquilo que ela tem de valor moral, de
consistência civilizacional. Lutou pela liberdade, pela possibilidade de
construir uma sociedade mais livre e tolerante. Sentiu essa prisão num País que
não evoluía e que não se permite a si mesmo ser livre e autêntico.
Miguel Torga foi alguém que recriou na literatura esses espaços de liberdade e beleza perenes que são os
montes ouvidos pelo vento, ou os rios onde correm as transparências telúricas
dos seixos e de uma vida selvagem quase pura, o seu reino do maravilhoso. Nele ainda se ouve, apesar do avanço dos tecnocratas, o
silêncio criado nas fragas, onde o som mais encantado das cotovias chega dos
castanheiros milenares, onde tudo se apresenta frontal e belo. O reino
encantado das flores silvestres, onde torgas luxuriantes lutam entre as pedras
nessa resistência de sonho, por onde corre o vento e o silêncio.
A biografia
de Torga é construída das muitas escolhas que fez na vida, perante esse
testemunho vivo da terra e do maravilhoso que ele descobriu nela. Os seus
poemas são o grito dessa liberdade e a angústia de uma vida que se queria
livre, grande e incomensurável como o tempo. A sua passagem pelo Brasil deu-lhe
a conhecer essa extensão informal de Portugal e permitiu-lhe realizar os seus
estudos. Chega a Coimbra, em 1928, para estudar Medicina, iniciando nesse ano a
publicação dos primeiros poemas.
Em 1929 está a trabalhar na Revista Presença, onde fica pouco tempo, pois a sua voz era uma voz de liberdade, de compromisso com a dureza da vida e com a beleza que encontrava nos testemunhos da memória. Em 1933, escolhe exercer Medicina em Trás-os-Montes. Passou a dedicar-se à dupla missão de ser médico e de ser escritor. Foi preso, durante o regime político do Estado Novo. Nunca optou pelo caminho do exílio, ficando porque se considerava a voz de uma identidade, da Terra, de uma identidade cultural, de um património de pertença. Escreveu sobre o seu País esquecido, Portugal, sobre a suas tradições e particularidades. Imaginou a criação de um mundo telúrico e foi um poeta de grande alcance humanista. Torga é um exemplo de uma figura de grande valor cultural e humanista, e o facto de ter sido obliterado à vida de uma comunidade evidencia um País afastado de si próprio. Torga sentiu tudo isto e na fase final sentia-se um ser fora do real que habitava.
Torga
criou na literatura um reino maravilhoso, porque o descobriu, porque o soube
ver nas fragas de xisto que se debruçam das arribas do Douro, nas plantas
rasteiras que no cimo das serras resistem a todas as intempéries. Estas
paisagens inspiraram-no na sua escrita. Torga foi essa montanha que não se move,
que não cede às pequenas intrigas e vaidades, e que se afirma na beleza da
palavra sempre pronta para fazer da liberdade a maior bravura.
Torga morreu
há pouco mais de vinte anos, despedindo-se de um País que reconheceu o valor da sua
literatura, mas não lhe deu uma oportunidade de participar na sua construção.
Torga sentiu esse desprezo de um País político pela mais elementar verdade,
pela beleza das coisas simples, por esse território de gente sofrida, pobre e
sem oportunidades, que lutava no cimo das encostas por uma vida mínima de
possibilidades.
A solidão
deste escritor foi também uma forma de encontrar a revelação desse real tão
belo, dessa força natural imensa. Torga era uma forma de consciência, um
património humano, que assume atualmente um maior significado do que quando se
despediu de nós. Torga sentiria, hoje, uma imensa tristeza pelas “praias
tristes”, abandonadas da vontade, em que se tornou muito deste país.
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