Para
comemorar o dia dedicado a Hans Christian Andersen, o IBBY Internacional
divulga, ele próprio, um cartaz e uma mensagem. Este ano da responsabilidade da
Eslovénia, o texto é da autoria do escritor Peter Svetina.
O
tema deste ano é «Fome de palavras», aqui bem representado pela ilustração
de André Letria.
FOME DE PALAVRAS
Na
minha terra, os arbustos florescem em finais de abril, início de maio, e logo se enchem de casulos de
borboletas. Parecem bolas de algodão ou pedacinhos de algodão doce, mas as
crisálidas que ali se desenvolvem devoram folha após folha, até os arbustos
ficarem despidos. Quando as borboletas saem destes casulos, iniciam os seus
voos delicados, mas os arbustos não são destruídos. E quando chega o Verão,
florescem novamente, e assim acontece ano após ano.
É
isto que sucede ao escritor e ao poeta. São devorados, esvaziados pelas suas histórias ou poemas: quando
estes já estão escritos, saem a voar para acabar nos livros e poderem encontrar
os seus ouvintes ou leitores. E isto repete-se uma vez, e outra vez.
O
que acontece aos poemas e às histórias? Conheço um menino que foi operado aos
olhos. Depois da cirurgia, teve de ficar duas semanas deitado sobre o lado
direito. Durante um mês, não pode ler, não pode ler mesmo nada. Quando ao fim
de um mês e meio pegou finalmente num livro, parecia que o livro era uma tigela
onde apanhava palavras à colher. Como se as comesse.
Como se verdadeiramente as comesse. Conheço
uma rapariga que cresceu e é agora professora. Disse-me: coitadas das crianças
a quem os pais não leem livros.
As palavras nos poemas e nos contos são
comida. Não são comida para o corpo: ninguém pode encher o estômago com elas.
São comida para o espírito e para a alma.
Quando temos fome e sede, o estômago
encolhe-se e a boca seca. Procuramos um pedaço de pão, um prato de arroz, de
milho, um peixe ou uma banana. Quanto mais fome se tem, mais a atenção diminui,
e já não se vê mais nada para lá do pedaço de comida que nos saciaria.
A
fome de palavras não se manifesta deste modo, mas adquire a forma da
melancolia, do esquecimento, da arrogância. As pessoas que sofrem este tipo de
fome não percebem que as suas almas tremem de frio e lhes passam ao lado. Uma
parte do mundo foge-lhes das mãos sem que disso tenham consciência.
Esta fome pode ser saciada com contos e
poemas.
Mas haverá esperança para aqueles que nunca se
alimentaram de palavras para satisfazer a fome?
Sim, há. O menino lê quase todos os dias. A
menina que já cresceu e se tornou professora lê histórias aos seus alunos.
Todas as sextas. Todas as semanas. Se um dia se esquecer, os alunos vão
lembrá-la.
E
quanto ao escritor e ao poeta? Quando chegar o Verão, ficarão novamente verdes.
E mais uma vez serão comidos pelas histórias e pelos poemas que
escrevem, que voarão em todas as direções, como borboletas. Uma vez, e ainda
outra vez.
Peter
Svetina (n. 1970, Ljubljana,
Eslovénia)
Tradução:
Maria Carlos Loureiro
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